Hoje, dia 14 de Janeiro de 2021, Marko Hietala completou seus 55 anos de vida. Nesta mesma semana ele deixou o Nightwish e sua vida pública para trás: indignado com as plataformas de streaming e passando por um ano difícil e, somando-se a isso, o problema crônico de depressão, já muito conhecido pelos fãs do músico, eu inclusive.
Em 2019, o baixista, cantor e compositor havia lançado seu trabalho solo em Finlandês: Mustan Sydämen Rovio – que ganharia sua versão em Inglês (Pyre of the Black Heart) no ano seguinte. Eu havia visto a notícia na época, mas acabei deixando passar e não conferi o álbum. O mesmo ocorreu com o Human. :II: Nature., do Nightwish. Sobre este, escrevi um preview aqui no blog, que você pode conferir aqui! Acabou que o lançamento bateu com a data do Final Fantasy VII Remake e, quem me conhece sabe que minha vida foi sugada por aquele jogo por alguns meses.
Infelizmente, eu acabei deixando os queridos Finlandeses de lado por um tempo, embora a minha cabeça de vez em quando me desse uns alertas, ainda mais passando por fotos do Instagram do Nightwish e do Marko. Sempre ficava com aquele pensamento: “Eita, preciso ir lá conferir os trabalhos!”. Nesta semana, com a mensagem do músico nas redes, eu me vi na obrigação de sentar e escutar os álbuns e colocar tudo em dia.
Marko Hietala deixou a música e pretende voltar em 2022, sem prometer nada, como dito por ele mesmo. Mas confesso que quando minha namorada me enviou o texto dele, fiquei de coração partido. Tive que, literalmente, sentar e chorar. A saída do músico não foi só um protesto e uma retirada para se revigorar, mas um marco para todos aqueles que sabem como as plataformas de streaming são extremamente venenosas para com os que ali postam conteúdo; mesmo as mesmas trazendo a democratização da música e facilidade de acesso. O músico/artista é escravizado e desde a chegada da internet, com a pirataria e os próprios serviços de streaming, tem ficado cada vez mais difícil de manter o vigor da arte e da carreira neste cenário.
Pyre of the Black Heart é um disco que traz um lado diferente de Marko. Aqui o músico explora um lado mais progressivo, como ele mesmo descreveu. De fato, o álbum tem um tom muito experimental, mas ao mesmo tempo fundado nas raízes de Hietala, com fortes influências de Black Sabbath e música Finlandesa. Pianos, violões, violinos, cellos, entre outros, fazem parte do arsenal musical que o compositor trouxe para mostrar ao que veio. Contando com sintetizadores, órgãos e percussões, também.
Stones começa com arranjo de violão belíssimo, tocado num violão de doze cordas, que dá uma sensação delicada, porém cheia, grande. Já nos primeiros versos da canção, pode-se notar a forte pegada cósmica que Marko traz em suas letras. Amante da ufologia e da cosmologia, não me surpreende ver o músico finalmente tratar desses assuntos em suas letras, especialmente olhando para a bela arte do disco. A música é uma mistura de folk music e Black Sabbath!
The Voice of my Father está entre as minhas favoritas e traz um tema que parece ser um pouco mais esotérico em sua letra. Esta segue com os violões e melodia e harmonia muito bem construídas. O refrão é muito solene, com uma melodia que toca após as falas de Marko; é impossível não cantarolar! A música tem um groove e arranjos muito bem construídos e, como sempre, uma voz poderosa. Além disso tudo, a canção é um tributo para o pai de Marko, que morreu de vítima do alcoolismo em 2012. Problema que o músico também já enfrentou em sua vida.
Star, Sand and Shadow traz mais temas da cosmologia. Essa música começa com uns sintetizadores muito interessantes. Parece que você está sendo levado para o Upsidedown da série Stranger Things. A presença de teclados e efeitos é bem grande no disco como um todo, mas nessa música eles brilham mais intensamente, tanto no começo como no refrão. Este conta com uma melodia de voz pegajosa e muito empolgante. No meio da música, uma melodia de guitarra toma conta e evoca uma sensação de ser transportado para outro universo.
Dead God’s Son parece vir de um conto de H.P Lovecraft. Conta a história de um ser que chega a um planeta e, aparentemente, seria filho de um deus cósmico. A beleza da escrita de Hietala — como muitos compositores da Finlândia — é que o tom das letras geralmente carrega uma melancolia e uma forma muito simples de simpatizar com os personagens delas e de suas histórias. Pode parecer que o disco fala de coisas nada tangíveis, mas ao ler o conteúdo, ele é palpável e muito fácil de sentir o real que jaz ali.
For you parece trazer um tema mais pesado. Como se alguém estivesse se afastando da vida em si. A música conta com bastante teclado e guitarras conversando com a voz o tempo todo. É uma música tenebrosa, devo dizer. Um clima que lembra algumas coisas do Tarot (a mais antiga das bandas do músico). Por mais que tenha uma bateria eletrônica, a vibe evoca memórias e sensações de quando ouvi os discos desta banda.
I Am the Way começa com Marko cantando uma melodia imponente, com um piano acompanhando e logo depois entra em uma batida mais eletrônica. O refrão é forte, mostra muito do que a letra parece tratar: um ser/deus que é onipotente e onipresente. Os riffs de guitarra bem arrastados e pesados só contribuem para esse clima grandioso e poderoso, terminando com um solo de guitarra épico. Mais uma favorita!
Runner of the Railways começa com um riff que quase parece que vai dar em uma música do Nightwish, porém as vozes cantando junto nos tempos fortes já dá uma pegada meio anos 70. A música parece uma mescla do antigo e do novo, o que faz perfeito sentido com as influências de Hietala. É uma música empolgante e a letra tem uns tons cômicos, porém em certos momentos parece ser autobiográfica, ou conta a história de um Vinking. De uma forma ou de outra, a canção tem a marca registrada do compositor, com melodias de voz inteligentes e riffs de guitarra memoráveis.
Death March for Freedom, como o próprio nome já sugere, a música fala sobre liberdade, tem uma melodia de voz e uma levada muito divertida. O baixo é presente e pulsante, como uma marcha, acompanhando a bateria. Aqui o cantor mostra suas diferentes vozes e formas de usar sua voz, que sempre foi muito diversa e icônica. O final da música conta com um belo solo de guitarra.
I Dream é minha favorita de todas e, a meu ver, a pérola do disco. Sou suspeito, sou baixista e a música começa com uma bela linha de contrabaixo, cheia de acordes e harmônicos. A letra parece contar a história de uma pessoa que se tornou a morte, ou alguém que se tornou algo muito nefasto. A perspectiva é bem sinistra e o clima da música contribui muito com a letra, tudo se encaixa de forma pesada e coesa.
Truth Shall Set You Free fecha o disco com chave de ouro e um gostinho de quero mais! Tem um clima parecido com o de Stones e The Voice of my Father, porém a letra parece tratar de um tema mais ecológico e de uma consciência nesse sentido. O arranjo de violão é belíssimo e é acompanhado de instrumentos de corda tocando melodias lindas. A melodia de voz é bonita e doce, parece carregar certa dor e melancolia. Os instrumentos vão trazendo melodias e solos (um salve para o do violão de nylon, que é de arrepiar) que dão uma atmosfera muito carregada para a música.
Eu espero muito que depois desse período bizarro que estamos vivendo, Marko retorne à música e nos traga mais obras como esta. Foi muito triste ler aquela mensagem e dar de cara com a realidade, que tem sido dura a cada dia que passa. Por mais tardio que tenha sido meu review, fiz questão de escrever e publicar hoje, no dia do aniversário desse grande músico.
Marko Hietala me inspira muito, assim como vários outros músicos daquela região da Europa que são compositores e escrevem canções que tocam o fundo de nossas almas (um salve para Ville Valo, diga-se de passagem, outro Finlandês muito querido, assim como Tuomas Holopainen).