Lembro que, quando criança, escutei mais de uma vez algum adulto usar a expressão “cara de fuinha”. O contexto era do tipo “que cara de fuinha é essa?”. A palavra fuinha, quando não se refere ao animal, é usada popularmente pra designar uma pessoa avarenta, sovina ou fofoqueira, ou, ainda, uma pessoa muito magra. Talvez o significado que o tal adulto usava fosse esse último, ou algum novo que ele tivesse inventado e que não colou (por isso não existe registro). O fato é que não sei se isso era uma coisa comum ou só mesmo um emprego particular dessa expressão que ele usava.
Eu, na época, não sabia do que essa expressão tratava. Aliás, nunca soube… nem mesmo agora se você me perguntar. Pra dizer a verdade, não sabia nem mesmo o que era uma fuinha até fazer uma pesquisa no Google dia desses, quando recebi o livro “Uma fuinha sobrenatural se instalou no meu cérebro: e outros textos igualmente imbecis” do Douglas Domingues. Talvez os criadores do Google não imaginariam um uso tão pouco nobre da ferramenta — descobrir o que é uma fuinha —, mas o fato é que serviu para conectar uma memória quase apagada da minha infância com algo completamente novo.
Enfim, deixemos a fuinha (animal) de lado e vamos nos concentrar na fuinha do livro ou, pra ser mais preciso, no livro da fuinha (não o autor, mas o personagem que se instalou em seu cérebro).
O livro começa dizendo a que veio logo no início, com sua “desdedicatória”, mostrando a maestria do autor na arte da autodepreciação. Essa quebra de expectativa coloca o leitor num lugar especial. Explico: se o autor não leva a sério a sua obra nem tampouco a si próprio, não cabe a nós, leitores, fazermos isso. A partir desse momento, o livro ganha um outro sentido já que todas as expectativas foram por água abaixo.
Mas, atenção, isso não torna o livro vazio. Pelo contrário. Como bem nos ensina a turma do Monty Python, o nonsense não é exatamente a ausência de sentido, mas, talvez, a ausência do bom senso, ou como dizia um antigo professor de Filosofia que tive, é a ausência do senso comum. E, voltando aos Pythons, é o absurdo.
Também não vá ler este livro achando que encontrará um sentido metafísico oculto nas entrelinhas. Pode ser até que você encontre, mas será um mero acaso.
O fato é que “Uma fuinha sobrenatural se instalou no meu cérebro: e outros textos igualmente imbecis” é uma coletânea de textos que assombraram o autor ao longo dos últimos 20 anos e que insistiram em se tornar um livro, quase a despeito da vontade dele. Neste livro, você encontrará pequenas crônicas, reflexões (ou “histórias bestas”), jogos de palavras, memórias e até poesias. Tudo muito despretensioso, mas não menos interessante por conta disso. Leia sem expectativas, apenas divirta-se e identifique-se, se e quando possível.
Pra concluir, uma observação importante: o livro tem um defeito e uma qualidade. O defeito é que é curto e acaba muito rápido. Sua qualidade é que deixa um gosto de quero mais. Vale a leitura!
Só pra registro, uma fuinha é um primo do furão e da doninha. O bichinho não é natural da nossa fauna, mas talvez o seu nome seja tão popular por aqui pelo fato de ser comumente encontrado em Portugal (obrigado por isso, Wikipedia). Mas eu sei que, a essa altura do campeonato, isso não faz a menor diferença pra você.